sábado, 21 de setembro de 2013

Nova geração de transgênicos, resistentes ao agrotóxico 2,4-D, pode deixar lavouras brasileiras mais tóxicas

O Brasil pode ser o terceiro a aprovar plantio de sementes resistentes ao agrotóxico 2,4-D. Especialistas alertam que o possível aval da CTNBio à soja e ao milho aumente o uso do herbicida altamente tóxico.

No Brasil, 90% dos agrotóxicos são utilizados em oito commodities agrícolas
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) julga nesta quinta-feira (19/09) o pedido de aprovação de quatro modalidades de sementes transgênicas resistentes ao agrotóxico 2,4-D. São dois tipos de soja e dois tipos de milho.
O Brasil seria o terceiro a aprovar o plantio dessas variedades. Até o momento, o Canadá é o único que cultiva esse tipo de milho. Já essa versão de soja transgênica é aprovada, além do Canadá, também no Japão – mas a permissão no país asiático se restringe à plantação em campos isolados.
O pedido de liberação foi feito pela americana Dow AgroSciences, que também tem sede no Brasil e é uma das seis gigantes da indústria de sementes e agrotóxicos do mundo.
Segundo Leonardo Melgarejo, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio e avaliador de uma das sementes solicitadas pela Dow, existem “riscos alarmantes” na aprovação das sementes. “Nós estamos passando agora para a possibilidade de aplicação via aérea de produtos de alta periculosidade”, afirma.
O 2,4-D é um dos componentes do chamado Agente Laranja, utilizado pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. Ele é o terceiro agrotóxico mais utilizado no Brasil (5%), depois do glifosato (29%) e do óleo mineral (6%). De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regulamenta e avalia a toxicidade de agrotóxicos, o 2,4-D é classificado com o nível de toxicidade mais elevado.
Efeito reverso

A aprovação das sementes resistente ao 2,4-D pode levar a um efeito contrário: especialistas alertam que o uso do agrotóxico pode aumentar. Em artigo publicado na revista científicaEnvironmental Science Europe, Chuck Benbrook, da Universidade do Estado de Washington, prevê um aumento de 50% no uso do 2.4-D nos Estados Unidos caso as novas sementes sejam aprovadas neste país.
O Centro de Segurança Alimentar dos Estados Unidos prevê que o uso do herbicida isoxaflutole aumentará quatro vezes devido à aprovação nos EUA de uma modalidade de milho resistente a este herbicida.
No Brasil, Victor Pelaez, diretor do Observatório da Indústria de Agrotóxicos e professor na Universidade Federal do Paraná, lembra que, quando a primeira soja transgênica foi aprovada, umas das possíveis vantagens apresentadas seria a diminuição do uso do agrotóxico glifosato. Oito anos depois, o glifosato continua sendo o agrotóxico mais utilizado no Brasil. Pesquisas do Observatório apontam que, após a utilização da soja transgênica no Rio Grande do Sul, ainda de maneira ilegal, entre 2000 e 2004, o consumo do glifosato aumentou 162%.
Esse consumo levou ao desenvolvimento de pragas resistentes e, por consequência, à necessidade de sementes tolerantes a herbicidas mais tóxicos. “Do ponto de vista tecnológico, é um retrocesso. Seja porque se tem que utilizar mais quantidade do glifosato que é menos tóxico, seja porque tem que se usar também produtos mais tóxicos. Isso era a crônica da morte anunciada. Todo mundo da área sabia disso”, analisa Pelaez.
Segundo a Dow, não há uma relação entre o uso elevado dos agrotóxicos e o uso de transgênicos. “As taxas de uso de herbicidas está já crescendo devido à resistência ao glifosato, e irá crescer ainda mais sem a nova tecnologia para ajudar a lidar com essa situação”, afirma Garry Hilman, porta-voz da empresa. Segundo ele, as novas sementes vão permitir que as ervas daninhas não desenvolvam resistência a um tipo específico de agrotóxico.
Ao ser questionado sobre a relutância de alguns países à aprovação das sementes tolerantes ao 2,4-D, a empresa afirma que se deve aos trâmites burocráticos dos países. “Nós estamos confiantes que os legisladores nas principais nações produtoras irão reconhecer os diversos benefícios desta nova tecnologia tanto para os produtores agrícolas como para o meio ambiente.”
Para a Secretaria Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), as novas sementes não resolverão o problema do que tem se chamado de “falha tecnológica”. “Essas variedades, assim como as que as antecederam, chamadas de ‘melhoradas’, termo que não utilizo pois apenas foram selecionadas em laboratório, não melhoraram em nada a agricultura, pois causou uma grande redução na base genética das culturas alimentares”, afirma o MPA em declaração à DW Brasil. 
Passado sombrio

Operação “Mão de Fazendeiro” despejou cerca de 45 milhões de litros de Agente Laranja no Vietnã
O 2,4-D ficou mundialmente conhecido por compor o Agente Laranja, utilizado para desfolhar as florestas e expor vietnamitas ao ataque dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. Milhões de pessoas morreram devido à operação conhecida como “Mão de fazendeiro” e, 30 anos depois, a substância química ainda é encontrado na terra e água do país, levando a defeitos genéticos em várias gerações.
A Dow AgroSciences, junto com três outras empresas do ramo de biotecnologia, montou a Força Tarefa 2,4-D, com o objetivo de divulgar informações sobre o herbicida. Elas afirmam que a vinculação com o Agente Laranja é um equívoco, pois os efeitos letais deste químico seriam causados pela dioxina, um resíduo da mistura dos componentes 2,4-D e 2,4,5-T da fórmula do Agente Laranja.
No entanto, especialistas apontam que a toxicidade do 2,4-D independe de sua vinculação com a dioxina. Em nome da Academia Americana de Medicina e Meio Ambiente, Robin A. Bernhoft afirma que “o 2,4-D é considerado a causa de todos os cânceres e defeitos genéticos nos filhos de ex-combatentes americanos no Vietnã e de vietnamitas causados pelo Agente Laranja”.
A questão reside também na qualidade do 2,4-D utilizado. Benbrook aponta o risco de que maior parte do 2,4-D usado no Brasil seja importado da China, com altos níveis de dioxina. “Eu concordo que o 2,4-D da Dow é muito mais limpo do que o dos 1970, mas quem pode garantir que os agricultores brasileiros irão comprar o 2,4-D mais caro e mais limpo?”, questiona.
Melgarejo aponta para o mesmo problema, devido à utilização da forma de 2,4-D conhecida como éster butílico, considerada mais perigosa por formar mini-gotículas que dispersam facilmente no meio ambiente.
“Nesse caso, o produto dança no ar, ele se desloca por grandes áreas e pode afetar muitas outras culturas. É uma formulação mais barata, porque mais perigosa”, esclarece. “As empresas afirmam que não vão vender no Brasil. Mas nada impede que entre por contrabando”, alerta Melgarejo.
Os riscos do 2,4-D-éster-butílico levaram a Autoridade Australiana para Medicina Veterinária e Agrotóxicos (APVMA) a cancelar, em agosto, a autorização do uso dessa modalidade de herbicida na Austrália alegando “riscos ambientais inaceitáveis”. 
Aprovação

Aproximadamente 90% da soja plantada no Brasil é transgênica, segundo CIB
O Brasil já aprovou 56 organismos geneticamente modificados. Das 31 plantas, contando com sementes e algodão, 25 possuem alteração para resistir a agrotóxicos e doze são tolerantes a mais de um herbicida ou inseticida. A tolerância, em grande maioria, é aos agrotóxicos glifosato e glufosinato de amônico, ambos de baixa toxicidade.
As duas modalidades de milho e de soja foram apresentadas pela empresa Dow no ano de 2012 e 2013 para liberação comercial. Quando concedida, a liberação permite a venda das sementes transgênicas para plantação, seu consumo direto em alimentos e derivados, assim como utilização em rações animais.
Caso as sementes resistentes ao 2,4-D sejam aprovadas pela CTNBio, o processo é encaminhado ao Conselho Nacional de Segurança, que pode deferir ou indeferir a decisão da Comissão. 
Matéria de Joana Brandão Tavares na Agência Deutsche Welle, DW, publicada peloEcoDebate, 20/09/2013

domingo, 15 de setembro de 2013

Energia solar alemã sufoca a hidráulica suíça

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/30961/energia%20solar%20alema%20sufoca%20a%20hidraulica%20suica.shtml

Com redução do preço da eletricidade na Europa, companhias resistem a investir em infraestrutura.

A energia hidráulica é a principal fonte de eletricidade nos países alpinos. Contudo, apesar de sua importância na mudança para alternativas renováveis na Europa, na Áustria e na Suíça estão suspensos alguns projetos de construção de infraestrutura hidrelétrica. Nos dias de bons ventos do verão alemão, quando milhões de painéis absorvem o Sol e as turbinas eólicas funcionam a toda velocidade, a rede elétrica não tem como absorver o excesso de energia. Nos domingos, em especial, a produção supera a demanda.
O resultado é a diminuição das tarifas. Inclusive aparecem números negativos, o que significa que os clientes recebem pela eletricidade. O mercado energético da Europa está liberalizado. O que acontece na Alemanha afeta seus vizinhos e as centrais hidrelétricas suíças não podem competir nessas condições. O auge da energia hidráulica suíça é histórica. Esta fonte, que cobre 55% da demanda, atravessa uma crise de rentabilidade porque as tarifas caíram 20% em relação ao ano anterior.

Nessas condições, as grandes produtoras de eletricidade da Suíça – Alpiq, Axpo, BKW e Repower – não estão dispostas a investir para otimizar e aumentar sua infraestrutura. Na verdade, a Repower anunciou uma redução de seus investimentos em 35% para os próximos dez a 15 anos. Andreas Meyer, responsável de comunicação da Alpiq, disse à IPS que os subsídios maciços para as energias renováveis desestabilizaram o mercado e puseram em dúvida a rentabilidade das centrais térmicas e hidrelétricas e também bloquearam os futuros investimentos. Atualmente, a Alpiq tem um programa de desinvestimento e teme que continue a deterioração das tarifas.

Leia mais: Radiação de Fukushima está 18 vezes acima dos níveis previstos

Entretanto, o desenvolvimento da energia hidráulica na Suíça é motivo de controvérsia. O governo estima que será entre quatro e cinco terawatts por hora, mas o WWF (Fundo Mundial para a Natureza) afirma que será apenas 1,5 terawatts. Em todo caso, seu potencial é muito baixo. Entretanto, a Suíça subsidia as pequenas centrais com capacidade inferior a dez megawatts, independente de sua eficiência e do dano ecológico que causam. Graças às subvenções, os pequenos projetos hidrelétricos se tornaram muito rentáveis.

No entanto, o WWF reclama o fim dos subsídios. “É uma loucura total construir novas centrais em águas virgens”, afirmou à IPS Christoph Bonzi, do WWF Suíça. Atualmente, 95% das fontes de água do país são usadas para gerar eletricidade. Por uma vez, conservacionistas e principais fornecedores de energia afirmam o mesmo sobre o sistema de subsídios da Suíça, que favorece os pequenos projetos hidrelétricos. “Por acaso, não é absurdo os subsídios para as novas energias renováveis gerarem uma situação em que até outras tecnologias sistêmicas necessitem de apoio”, questionou Werner Steinmann, porta-voz da Repower.

O auge da energia eólica e da solar na Europa aumentou a demanda de armazenamento de eletricidade, já que ambas são fontes flutuantes. Alemanha, Áustria e Suíça concordaram, no ano passado, em aumentar a capacidade das usinas hidrelétricas de armazenamento por bombeamento em um esforço conjunto. Várias dessas centrais estão em construção nos Alpes suíços. Porém, ainda não se sabe se os investimentos valerão a pena. Algumas companhias suíças de energia não se opõem a todos os subsídios para as energias renováveis.

O maior acionista da Repower é o cantão dos Grisones, cujo conselheiro-chefe, Mario Cavigelli, rompeu um tabu ao pedir subsídios para a eletricidade gerada em grandes hidrelétricas. Também pediu a redução dos fundos para as pequenas iniciativas. Contudo, trata-se de uma pedido discutido dentro do setor. A encarregada de imprensa da Axpo, Daniela Biedermann, disse que não se pode resolver os problemas dos subsídios agregando novos. “Devemos discutir como implantar as novas energias renováveis em um sistema voltado para o mercado”, afirmou.

A Associação Suíça para a Gestão da Água (SWV), que representa o setor, reclama que os subsídios à energia hidrelétrica não se limitem às pequenas centrais. A organização propõe que seja usado o critério da eficiência, um aspecto ignorado pelo atual sistema. A SWV quer que sejam promovidos os projetos que geram mais eletricidade por dólar subsidiado. Entretanto, os conservacionistas não estão muito contentes com as novas demandas corporativas. Em nome do “interesse nacional” as empresas tentam explorar inclusive reservas de água protegidas.

O WWF prefere melhorar a eficiência em lugar de usar até a última gota para produzir eletricidade. Do outro lado da fronteira, as empresas da Áustria enfrentam problemas semelhantes. Atualmente, cerca de 60% do fornecimento elétrico são cobertos com a energia hidráulica local. O setor tratou de aumentar sua capacidade em sete terawatts por hora até 2020.

“Seguramente, não podemos alcançar nossas expectativas”, disse Ernst Brandstetter, porta-voz da Oesterreichs Energie, que representa os interesses da indústria elétrica austríaca. Segundo ele, atualmente o realista é prever apenas quatro terawatts/hora até 2025. “Infelizmente, muitos projetos estão parados. A indústria tem cinco anos de atraso em relação aos seus planos de desenvolvimento”, acrescentou. Brandstetter explicou que, no tocante às hidrelétricas, a situação atual do mercado se caracteriza por uma grave insegurança.

“Muitos projetos previstos já não têm justificativa econômica”, ressaltou Brandstetter. A Oesterreichs Energie não pede subsídios, mas quer um ambiente mais propício para os investimentos. “O mais preocupante é que até os projetos de armazenamento de energia serão rentáveis. Junto com as redes elétricas, as centrais hidrelétricas de armazenamento por bombeamento são os facilitadores mais importantes para um futuro com fontes renováveis”, insistiu.

O porta-voz pede que se deixe de distorcer o mercado, fazendo com que o europeu esteja pautado por normas que permitam a todas as fontes de energia competirem em igualdade de condições. O setor hidrelétrico da Áustria e da Suíça depende muito do que acontece na União Europeia. Atualmente estão em consultas as Diretrizes de Ajuda à Energia e ao Meio Ambiente 2014-2020. Na próxima primavera boreal será preciso ver se as centrais hidrelétricas alpinas se beneficiam ou não das novas pautas.