Por Mirela Tavares, 19 de outubro de 2014
A frase do doutor em Ciência Política Rolf Rauschenbach exprime uma de
suas impressões sobre o clima da eleição presidencial no Brasil, em que o
segundo turno será no próximo dia 26, entre o candidato do PSDB, Aécio Neves, e
a presidente do país, candidata do PT, Dilma Rousseff.
Rauschenbach, que morou no Brasil, também faz um comparativo sobre os
modelos de campanhas brasileiras e suíças, que se diferenciam principalmente
pela veiculação de publicidade no rádio e na TV. Para ele, o uso dos veículos
audiovisuais no modelo brasileiro, que são proibidos nas campanhas suíças,
conseguem apelar mais facilmente para as emoções dos cidadãos, abusando de uma
maneira excessiva com mecanismos psicológicos, esquecendo que o processo
democrático também deve ser um processo de iluminação e de amadurecimento
emocional e intelectual dos cidadãos.
Diante do tamanho e da complexidade dos problemas brasileiros,
Rauschenbach salienta preocupação com a crença generalizada no Brasil de que o
presidente pode resolver todos os problemas do país. Ele compara ainda as
constituições dos dois países, mostrando as similaridades teóricas – até mesmo
a Constituição suíça como uma das inspirações para elaboração da brasileira.
Porém, para ele, enquanto os conceitos básicos são os mesmos, a concretização é
bem distinta. "E a meu ver, no caso brasileiro, com falhas
importantes", afirma Rauschenbach, que detalha o seu pensamento na
entrevista a seguir.
swissinfo.ch: Qual a sua percepção sobre o atual cenário político do
Brasil, com Dilma Rousseff e Aécio Neves disputando o segundo turno para a
presidência da República?
Rolf Rauschenbach: Existem duas interpretações desse cenário: ou os
candidatos do PSDB e do PT são realmente os melhores representantes e, por
isso, são aqueles que podem e devem disputar a presidência no segundo turno, ou
as estruturas institucionais e socioeconômicas do Brasil perpetuam
principalmente aqueles que já estão no poder, independentemente das suas
qualidades. Na realidade, deve ser uma mistura dos dois fatores, já que são
interdependentes. Mas me parece que, no Brasil, o segundo tem cada vez mais
peso. Neste contexto, vale lembrar que em eleições majoritárias como as
presidenciais, todas as forças convergem para o centro, já que é ali onde se
ganha mais facilmente a maioria. As retóricas antagonistas entre o PSDB e o PT
procuram estabelecer diferenças programáticas, que na realidade acabam sendo bem
menores. Considerando o fato de o Brasil
ser um país enorme e complexo, me parece estranho achar que existem somente
duas propostas – muito parecidas – sobre como fazer o Brasil progredir. Por
isso, tive bastante simpatia pela Marina Silva e alguns outros chamados
candidatos nanicos, até porque tenho certeza de que o Brasil é muito mais do
que PSDB contra PT.
swissinfo.ch: O que achou das campanhas?
RR.: Em eleições, por definição, os candidatos são vistos antes das
ideias e dos projetos. Por isso, as campanhas tendem a ser mais emotivas, mais
pessoais do que as em torno de questões específicas, como é o caso em um
referendo ou um plebiscito. No Brasil, essa tendência está ainda fortalecida
pelo fato de que a maior parte da comunicação pública é transmitida pela TV e
pelo rádio. Veículos audiovisuais conseguem apelar mais facilmente para as
emoções dos cidadãos do que debates travados nas mídias impressas.
A meu ver, as campanhas atuais abusam de uma maneira excessiva destes
mecanismos psicológicos. Afinal, não podemos esquecer que o processo
democrático sempre deveria ser também um processo de iluminação, de
amadurecimento emocional e intelectual dos cidadãos. Vejo poucas contribuições
nessa direção, mas muito bate-boca vazio de ideias construtivas.
swissinfo.ch: O que se pode esperar com a vitória de Dilma ou de Aécio
do ponto de vista dos programas de governo apresentados e das alianças que
estabeleceram?
RR.: Pelo que vi, são poucas as promessas concretas de ambos os
candidatos, e no fundo não acho que haverá diferenças programáticas
substanciais entre um presidente Aécio ou uma presidente Dilma. Do lado do
Aécio, seria suicídio mexer fundamentalmente com os programas sociais
expandidos pelo PT. Da mesma forma, seria suicídio da Dilma não tomar medidas
sérias a respeito da inflação, dívida pública, Petrobras etc. Porém, esperaria
mais dinamismo do Aécio do que da Dilma. Ela e o PT me parecem intelectualmente
esgotados. O PT precisa se renovar em termos de ideias e de pessoas.
Conseguiria isso mais facilmente e com mais benefícios para o Brasil se
estivesse na oposição.
swissinfo.ch: O que esperar da campanha neste segundo turno?
RR.: São semanas longas. Os apoiadores da Dilma podem atacar de uma
maneira extremamente violenta o Aécio como eles o fizeram com Marina. No outro
lado, existem várias brechas pelas quais o Aécio pode criticar e fragilizar a
candidatura da Dilma. Ao meu ver, o jogo ainda está aberto. Acharia importante
que os dois candidatos tentassem moderar os seus apoiadores para não esquentar
mais este clima pesado.
swissinfo.ch: Antes da Copa do Mundo, o Brasil foi tomado por
manifestações populares, que o senhor chegou a declarar que não sabia como não
tinham acontecido antes, diante de tantos problemas do país. Como o senhor
percebe esta tolerância e passividade da população em relação a má gestão dos
governos em suas diversas instâncias?
RR.: É verdade. Do meu “ponto de vista suíço”, foi difícil entender a
passividade da população brasileira. As manifestações de 2013 faziam muito sentido
para mim. Mas deveríamos evitar uma interpretação romântica demasiada desses
acontecimentos: de uma população de 200 milhões de habitantes, 1 milhão foi à
rua. Nas pesquisas, o apoio aos manifestantes foi grande, mas já na época foi
difícil tirar conclusões concretas sobre elas. Do “ponto de vista brasileiro”,
a passividade é um senso bastante comum: há uma parte enorme da população, que
todo dia tem que lutar pela sobrevivência e para a qual qualquer grande mudança
tende a representar uma ameaça ao status quo fragilizado. É por isso que essas
pessoas tendem a ter atitudes mais conservadoras. Mas é claro que as coisas
mudarão somente a partir do momento no qual haja uma participação mais ampla e
profunda de todos os cidadãos.
swissinfo.ch: A eleição presidencial acaba sendo a mais discutida, mas
as escolhas para o legislativo também são fundamentais. Como o senhor analisa o
formato das campanhas e no que realmente contribuem para ajudar as pessoas a
escolherem seus candidatos?
RR.: Sem dúvida, o foco das campanhas é para presidente. O presidente
brasileiro é muito poderoso, comparando com outras democracias como França e
Estados Unidos, e por isso fica ainda mais no centro das atenções. Como já
mencionei, considero o peso dos veículos audiovisuais problemático, sem falar
da qualidade das contribuições no horário gratuito e dos debates de TV quase
esterilizados. Mas é muito simples criticar os formatos. O problema é mais
fundamental. Os legislativos têm pouco poder, em particular no nível municipal
e estadual, e por isso não recebem tanta atenção.
swissinfo.ch: O modelo político suíço poderia servir de exemplo para o
brasileiro de alguma maneira, mesmo sendo países com diferenças tão grandes?
RR.: Apesar das diferenças óbvias entre a Suíça e o Brasil, os dois
países têm constituições muito parecidas. São duas federações, por acaso ambas
com 26 Estados – ou 26 cantões, no caso suíço. A autonomia dos municípios e dos
estados é algo fundamental. As duas constituições preveem iniciativas populares
e referendos, um fato que é raro no nível federal. Não há dúvida de que a
Constituinte Brasileira se inspirou – entre outras fontes - na constituição
Suíça. Mas enquanto os conceitos básicos são os mesmos, a concretização é bem
distinta. E a meu ver, no caso brasileiro, com falhas importantes.
swissinfo.ch: Poderia exemplificar?
RR.: Pela Constituição, o Brasil é uma federação, mas na realidade
temos uma centralização do poder muito grande. Em primeiro lugar, na
presidência, depois, nos governadores. Os municípios são fracos e não usufruem
a autonomia que deveriam ter em um regime federativo. Em parte, isso é devido à
concentração das atividades econômicas e a subsequente arrecadação de impostos
em grandes centros urbanos, deixando muitos outros municípios dependentes dos
repasses estaduais e federais. Até um certo ponto, isto é inevitável. Existem
também na Suíça municípios e cantões que dependem de repasses. Mas, me parece
que no Brasil o desequilíbrio é grande demais. Vejo poucas ideias de como
reverter este quadro. Todo mundo sempre olha para o presidente, em vez de tomar
uma atitude de responsabilidade própria. Outro exemplo são os processos de
democracia direta, como a iniciativa popular ou o referendo. As versões
brasileiras desses mecanismos são pouco participativas e não permitem aos
cidadãos aproveitar o potencial inovador e transformador que é inerente a eles.
swissinfo.ch: E como isso se complica no Brasil?
RR.: O resultado dessas distorções é uma desvantagem institucional que
não é fácil para compensar. No fundo, leva a maioria a atitudes menos
responsáveis, já que aparentemente somente o presidente ou o governador têm
capacidade de avançar as questões. É obvio que assim os desafios complexos que
o Brasil enfrenta nunca poderão ser resolvidos. É preciso a contribuição de
cada um.
swissinfo.ch: Os recursos que os partidos recebem de empresas para as
campanhas são alvo de muita polêmica. O senhor acredita em algum formato ideal
para que as campanhas possam ser feitas sem que a máquina do governo sirva depois
como uma moeda de troca?
RR.: Uma forma ideal não existe. O processo democrático implica certas
intenções normativas, mas não anula o fato de que interesses distintos lutem
pelo poder. Nessa luta são usadas armas de vários tipos: argumentos e dinheiro
talvez sejam as mais importantes. A presença de dinheiro é inevitável e nem
sempre necessariamente problemática. O estabelecimento de transparência sobre o
financiamento de campanhas já é um progresso importante. Talvez seja necessário
comunicar estes dados mais ativamente, por exemplo, durante o horário gratuito.
swissinfo.ch: Como é a situação na Suíça?
RR.: Na Suíça encontramos fatos quase curiosos. Não há nenhum
regulamento sobre o financiamento de campanhas e partidos: não há limites, não
há transparência, nada! Este problema é parcialmente sanado pela proibição de
qualquer informação publicitária eleitoral no rádio e TV. E nenhum candidato
pode veicular propaganda em rádio ou TV. Há anúncios nos jornais, panfletos
enviados pelo correio e pela internet... Isso reduz bastante os custos, porque
o que realmente encarece as campanhas são os programas de rádio e TV. A
princípio acho isso uma solução genial, pois o que se vê na publicidade
política na grande maioria não tem nenhum valor educativo. Custa muito e
atrapalha o processo. Mas em um país como o Brasil, que tem uma população tão
grande e com tantos analfabetos (ainda que funcionais), não poderia sobreviver
sem rádio ou TV. Não acho que o modelo suíço seja viável para o Brasil.
Por Mirela Tavares, São Paulo,
Rolf Rauschenbach é Pós-Doutorando em Ciência Política (USP), Doutor em
Ciência Política (Universität St. Gallen, Suíça), Mestre em Ciência Política e
Relações Internacionais (Universität St. Gallen), Bacharel em Economia e
Administração (Universität St. Gallen), com intercâmbios em Economia e
Administração (Université Catolique de Louvain-la-Neuve, Bélgia e New York
University, EUA), em Ciência Política (Institut des études politiques de Paris,
França) e em Filosofia (Universität Basel, Suiça). Atualmente é bolsista da
FAPESP e pesquisador no NUPPs, trabalhando sobre os processos de democracia
direta (plebiscito, referendo, iniciativa popular de lei) no Brasil.Fonte;
NUZPPs (Núcleo de Pesquisas em Plíticas Públicas da Universidade de São Paulo).