Por Sergio U. Dani, de Bremen, em 12 de outubro de 2014.
As eleições presidenciais de 2014 no Brasil transformaram-se
– como de costume – num palco do fanatismo político e propagação de falácias,
lendas e mitos. O fanatismo embota o raciocínio e a lucidez. O fanático iguala-se
a um criminoso capaz de tudo para se promover ou derrotar o adversário. Selecionei
alguns dos temas preferidos dos fanáticos dos dois grupos majoritários nesta
eleição: os ‘dilmistas’ e os ‘aecistas’.
Corrupção:
Os petistas postaram uma tabela no Facebook indicando um aumento do número de operações da Polícia Federal e do número de presos
por corrupção durante os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Seus
autores se apóiam nos números para sugerir que em nenhum outro governo o
combate à corrupção foi tão intenso quanto no governo petista. Como sempre,
trata-se de discurso de político que trata o povo como burro e idiota. Até os
tolos percebem os números como indício do aumento da corrupção nos governos petistas. Resta saber se
é possível avaliar o grau de corrupção no país simplesmente pelo número de
operações da Polícia Federal e o número de presos. Tomando por base apenas
esses ‘índices’, conforme a tabela apresentada, verifica-se que a ‘corrupção’
teria permanecido estável durante os governos do PSDB e do PT, em idênticos ’11
presos por operação da Polícia Federal’ durante os respectivos períodos. Obviamente,
os petistas usam esse ‘índice’ para argumentar que, se a corrupção não piorou
durante seu governo, pelo menos ficou igual ao do governo anterior. Entretanto,
o índice internacionalmente aceito para medir a corrupção é o ‘índice de
percepção da corrupção’, que na escala da www.transparency.org varia de 0 (‘altamente
corrupto’) a 100 (‘limpo’). Esse índice piorou durante os governos do PT. Não
há dúvida que a piora desse índice tem relação com a atividade da imprensa, que
investiga e publica os casos de corrupção. Partindo do princípio de que ainda
temos uma imprensa livre no Brasil, a conclusão é que a corrupção aumentou durante
os governos do PT. É verdade que a corrupção é intrínseca à sociedade
Brasileira, mas o PT institucionalizou-a num governo que é, além de corrupto,
incompetente, mercantilista e corporativo ao extremo. Sintomática é a
declaração da presidente Dilma Rousseff durante uma entrevista concedida em
rede nacional: ‘- Quando a corrupção é no meu partido, eu prefiro não me
manifestar’.
‘Investimentos’ no
Caribe:
Os dilmistas defendem com unhas e dentes o desvio de
recursos públicos do Brasil para Cuba, pelas vias mais diversas, desde a
construção de um porto em Cuba, até a compra de escravos cubanos via ‘Mais
Médicos’. Pôr os pés na região do Caribe é para nós, brasileiros, algo
semelhante ao que foi para os norte-americanos pôr os pés na Lua: muito mais
uma ação de prestígio e interesse pessoal de uma minoria de pessoas, que uma
ação que reverte em bem-estar do nosso povo. Tanto num caso, como no outro,
queimam-se recursos públicos de impostos em projetos de prestígio pessoal,
enquanto nem sequer as condições básicas de vida do povo foram atendidas.
Curioso como essas ações extraterritoriais geralmente são postas em prática por
certos dirigentes de países de dimensões continentais, sob gestão
centralizadora: EUA, URSS/Rússia, Canadá, China, e agora o Brasil. Seria o ‘capitalismo
de Estado’? o ‘neocolonialismo de Estado’? Nada disso. Trata-se apenas do
apoderamento facilitado de gigantescos recursos públicos por uma minoria de
pessoas e empresas privadas. Um grande problema dessas ações é a perda do
controle democrático sobre a aplicação desses recursos no exterior. Veja o caso
do pagamento de propinas milionárias em negócios sujos da Petrobras, que recebe
recursos do Tesouro da União através do BNDES, e o caso da Kinross Gold
Corporation, que recebe recursos públicos do povo canadense para destruir o
ambiente e matar pessoas em Paracatu, MG. O lema da expansão desse tipo de
capitalismo da usurpação e malversação da coisa pública: ‘ultra equinotialem
non pecavit’.
O ‘fabuloso resultado’ do BNDES:
Belo Horizonte, 10 de outubro de 2014 (retirado de uma
contribuição de Renato U. Dani, publicada no Facebook). A falácia de
hoje fica por conta da declaração do Guido Mantega, o ‘ministro-defunto’ do
governo petista, sobre o ‘fabuloso resultado’ de R$ 8,5 bilhões do BNDES.
Conforme o gráfico reproduzido neste artigo, entre 2009 e 2012, o BNDES
emprestou mais de R$400 bilhões. O funding do BNDES é o Tesouro da União, que
captou esse dinheiro pagando a taxa Selic no curto prazo (11% ao ano) e
emprestando a longo prazo – e ponha longo prazo nisso: 21 anos de carência e
mais 25 anos para pagar! Parece inacreditável, mas é isso mesmo: 46 anos para
pagar! O pior vem agora. A taxa de juros
que o BNDES paga é de 1/3 da TJLP! Isso dá uma 'bênção’ de 2%! Isso equivale,
hoje, a 33% da inflação! Isso mostra um spread de 9% ao ano! Vamos fazer as
contas? R$ 400 bilhões x 9% = R$ 36 bilhões por ano! Trocando em graúdos, o
‘fabuloso resultado’ do BNDES de R$ 8,5 bilhões transmuta-se na realidade num
fardo, num prejuízo anual de R$ 27,5 bilhões! Para piorar o desgosto, a maior
parte desse dinheiro foi emprestada para empresas gigantescas, especialmente a
Petrobras, exatamente as empresas que teriam, teoricamente, condições de captar
tal dívida no mercado internacional, a taxas competitivas. Por que não o
fizeram? Resumo da catástrofe: além de queimarem nosso dinheiro uma vez,
queimam de novo com os calotes e os assaltos das ‘campeãs nacionais’:
Petrobras, Eletrobras e outras tetas. Agora é chorar ou se revoltar.
‘Avanços sociais’:
Analisar os avanços sociais e o desempenho de um governo
pelos índices econômicos tornou-se um cacoete dos políticos de diversos países,
especialmente do Brasil. Honestamente, que diferença faz, o Brasil ser a ‘não-sei-qual-ésima’
economia do mundo? Se vai tudo muito bem na régua do economês, como explicar
que mais de um quarto da população – 56 milhões de pessoas – ainda recebem
bolsas de programas sociais do governo? O endividamento aumenta no ritmo do aumento
do consumo, e depois vem a recessão? No economês, 'classe média' é a 'classe
social' que tem poder de compra, é assalariada ou empreendedora, tem acesso ao
crédito bancário, e não necessita de recorrer aos programas sociais para
sobreviver. Os políticos informam que a 'classe média' no Brasil aumentou de
não-sei-quanto-por-cento, a classe baixa diminuiu de não-sei-quanto-por-cento,
como se isso fosse o mérito de seus governos, e não simplesmente um efeito da
expansão do capitalismo de consumo. Reduzir a complexa realidade socioambiental
aos índices econômicos é perigoso. Como entender que mais de 150 mil pessoas
morrem todo ano no Brasil, vítimas de causas violentas evitáveis, como
acidentes de trânsito e homicídios? Por que o Brasil, detentor das maiores
reservas de água potável do mundo, precisa racionar água? Que diabos realmente
significa a expansão e a retração das ‘classes sociais’, em termos de
progresso, desenvolvimento, prosperidade, civilização, felicidade, saúde e
conservação ambiental?
Um grande número de cidadãos
brasileiros acredita que sobrevive às custas do governo, e não o contrário. As
bolsas dos programas sociais se encarregam de criar essa ilusão. Na verdade, um
sistema tributário injusto e escorchante e a má gestão política e econômica alimentam
o ciclo da pobreza, a serviço da manutenção dos privilégios de certos políticos.
O imposto embutido no pão – assim como qualquer outro imposto indireto sobre
qualquer produto ou serviço – é o mais injusto de todos os tipos de impostos:
tanto o rico quanto o pobre pagam a mesma taxa, compulsóriamente. A inflação
também é injusta, pois atinge pobres e ricos sem distinção. O imposto de renda
é o mais justo, pois é pago proporcional à renda de cada um. A estabilidade
econômica e os juros baixos também são justos, pois preservam as perdas
econômicas e financeiras, e evitam o enriquecimento dos mais ricos à custa da
sangria dos mais pobres. Bolsa família é programa emergencial. Nem de longe, a
função da bolsa família substitui as funções primordiais do imposto de renda e
da estabilidade econômica. Governo que não cuida da reforma tributária e da
estabilidade econômica, pode ‘dar’ quanta bolsa quiser e o povo aguentar pagar
sem perceber, e nunca resolverá os problemas crônicos da pobreza.
Vamos ver o que mudou, do
tempo do FHC para cá: (1). O Brasil, com pelo menos 56 milhões de pessoas
dependentes de programas sociais, infelizmente continua sendo campeão mundial
do desemprego; (2) o salário mínimo não acompanha a inflação, e ainda por cima
agora temos uma recessão; (3). a tendência dos países que estão sofrendo os
efeitos da transição demográfica é levar a aposentadoria para além dos 65 anos,
para evitar rombos nos sistemas previdenciários; (4). a carga tributária
brasileira aumentou, a ponto de o Brasil ser considerado o país com a carga
tributária mais escorchante. E pior: a carga tributária dos impostos indiretos,
os mais injustos (pois atingem pobres e ricos sem distinção), é das mais altas
do mundo. Não precisamos voltar ao passado para encontrar os erros e os
estragos. Basta olhar para o presente.
Safras-record de
grãos:
Políticos e seus
simpatizantes adoram dizer que são os responsáveis pela expansão do agronegócio
e as safras-recorde de grãos. Eles deveriam saber que a expansão do agronegócio brasileiro,
especialmente a produção de grãos destinada à exportação, é uma história de devastação dos
ecossistemas naturais nativos, poluição ambiental com agrotóxicos, concentração
das terras nas mãos de grandes empresas, especulação imobiliária com terras, e
expulsão do homem do campo. Por que não se interessam em entender esse
processo? Esse é um lado da questão. O outro lado é puramente tecnológico e econômico.
A expansão da produção de grãos no Brasil é resultado de um desenvolvimento
tecnológico que se desenrola há décadas, no Brasil e no mundo, em resposta à demanda
crescente de uma população mundial faminta. Os políticos brasileiros, e o atual
governo em especial não influenciaram, realmente, esses fatores.
Políticos profissionais,
estadistas de fraldas:
Circula pela internet um vídeo de 2009 em que o então
governador Aécio Neves, durante um encontro internacional realizado em Belo
Horizonte, teria dado mostras de ser ‘magnânimo’ e ‘democrático’ ao recepcionar
uma crítica dura do jornalista Gustavo Gazzinelli. Não vamos exorbitar. Todo
governante é passível de crítica. O governador Aécio Neves não fez favor nehum
ao jornalista Gazzinelli. Aécio simplesmente foi ‘político malandro’. Ao
declarar publicamente que recepcionava a crítica com floreios de retórica
pseudo-democrática, tentou desarmar a crítica. Sem sucesso, pois uma crítica só
se desarma com uma defesa. No caso, Aécio não apresentou a defesa. Suspeito que
ele sequer sabia do que se tratava (veja o caso, que narrei na época, num dos
meus blogs: http://alertaparacatu.blogspot.de/2009/09/das-areias-de-copacabana-rumo-ao-caos.html
). Enganam-se os ‘aecistas fanáticos’ que pensam que o Aécio Neves é a saída
para a mudança e a modernização do Brasil. A função política que o Aécio Neves
tem a desempenhar nestas eleições de 2014 é relativamente simples, ela não requer a visão
de estadista que lhe falta: quebrar a hegemonia do PT. A perspectiva de vitória do Aécio Neves existe em função do
apoio da Marina Silva e seu grupo. Em vez de romantizar o Aécio Neves com
falsas alegações de suas virtudes e capacidades democráticas, os aecistas que
realmente se importam com o Brasil deveriam enaltecer a Marina Silva e o seu papel
nesse segundo turno das eleições. O papel da Marina Silva é tão importante e
decisivo quanto o papel do Aécio Neves. Esperemos que os dois grupos percebam
isso, a tempo.
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