Por Sergio U. Dani, de Göttingen, Alemanha, em 10 de julho de 2010.
Somos três milhões de brasileiros residentes no exterior. Assim como amamos o Brasil, também amamos as nações que nos recebem no mundo. Nós não somos nacionalistas. No convívio com outros povos aprendemos que o importante na vida não é a defesa encarniçada de etnias, religiões, nacionalidades, ideologias ou partidos. Aprendemos que o importante na vida é o respeito à pessoa humana e à humanidade.
Vivemos em comunhão com outros povos, na carne e no espírito. Carregamos conosco a memória e a sabedoria dos nossos avós ameríndios, africanos, asiáticos e europeus. Nós somos inquietos mas tolerantes, insatisfeitos mas otimistas, ambiciosos mas solidários, corajosos mas cordiais, irreverentes mas éticos, contemplativos mas empreendedores, resistentes mas criativos, competitivos mas compadecidos e, acima de tudo, amantes da vida.
Se saímos do Brasil para o mundo foi porque não encontramos em nosso país a qualidade de vida que almejamos para nós e nossos filhos. Nós não nos conformamos que um país tão rico como o Brasil ainda não consiga proporcionar a qualidade de vida que encontramos em tantos outros países menos favorecidos em recursos naturais que o Brasil. Por isso trabalhamos por um Brasil e um mundo melhor, mais evoluído, humano, civilizado, solidário, livre e justo. Sabemos que essa evolução só pode acontecer em comunhão entre os povos.
Por isso os brasileiros que vivemos no exterior contribuímos com as nações que nos recebem no mundo e também com o Brasil. Se nós injetamos, todo ano, 7 bilhões de dólares na economia brasileira, é porque acreditamos no Brasil. Grande parte desse recurso é constituída de remessas de pequeno valor monetário, mas que representam parte significativa de nossa renda e cumprem importantes funções sociais no Brasil.
Os 7 bilhões de dólares que investimos todo ano no Brasil equivalem a quase a metade do valor de toda a produção anual de soja e derivados do país, ou cerca de um quarto do orçamento federal para a saúde, ou mais de um terço do orçamento federal para a educação, de incertos repasses. Um quarto da verba enviada pelo governo federal aos municípios não chega às escolas, e a verba destinada à saúde nunca é suficiente. Mas o que nós enviamos do exterior para o Brasil chega diretamente aos seus destinatários.
O governo federal destinou 30 % do orçamento de 2010 para o pagamento da dívida externa e há anos autoriza a remessa de nossas riquezas naturais para o exterior, com taxação simbólica e às custas da nossa saúde e da nossa sustentabilidade. Os brasileiros que vivemos no exterior destinamos parte da nossa renda auferida no exterior para o Brasil, mesmo em épocas de crise.
Somos os motores de um Brasil globalizado e fiel às suas boas tradições: a miscigenação, o sincretismo, a tolerância, a criatividade, a irreverência, o otimismo, a cordialidade e a compaixão. No convívio com outros povos e culturas, sabemos nos integrar, absorver boas influências e também influenciar. Nós somos o povo brasileiro para o mundo, somos os ensaiadores de um novo comportamento mais humano e ético.
Seguimos a tradição brasileira do exercício direto do poder pelo povo, conforme está assegurado na nossa constituição. A nossa constituição também assegura que o poder pode ser exercido pelos representantes do povo. Apesar de nos organisarmos e elegermos representantes naturalmente onde quer que estejamos, nós brasileiros residentes no exterior ainda não temos representantes formalmente reconhecidos pelo Estado brasileiro.
Uma das razões disso é a falta de união da comunidade brasileira dispersa no mundo. A internet mudou rapidamente esse quadro, derrubando barreiras de comunicação, aproximando pessoas e idéias. Em decorrência dessa maior aproximação, ressurgiu a idéia de uma representação oficial dos brasileiros que residimos no exterior junto ao Estado e ao governo brasileiros.
Em julho de 2008 realizou-se, no Palácio Itamaraty no Rio de Janeiro, a I Conferência das Comunidades Brasileiras no Exterior. Em 2009, uma segunda reunião aconteceu no Rio de Janeiro onde ficou decidido que, a partir de 2010, o Ministério das Relações Exteriores apoiará a eleição direta de membros do CRBE-Conselho de Representantes Brasileiros no Exterior.
Nós tomamos essa liberdade para melhorar nosso modo de ação e poder de influência junto às instituições do Estado brasileiro, visando melhorias na função do Estado brasileiro de proteger e respeitar os cidadãos tanto no território nacional quanto no exterior.
Entretanto, povo e governo precisamos entender que a criação de um CRBE implica em uma nova função social. Para desempenhá-la o CRBE precisa de tres condições principais: autonomia, independencia e participação.
Por autonomia entende-se que o CRBE não pode depender de financiamento governamental ou de empresas. O CRBE só pode depender das comunidades que representa.
O CRBE deverá ser independente inclusive para criticar governos e suas repartições, e não virá para sanar deficiências dessas repartições ou tampouco para complementar suas funções. Os brasileiros residentes no exterior formamos um grupo especialmente interessado em que os governos cumpram os seus papéis, assim como nós, o povo, cumprimos o nosso. Povo não é governo.
Ao contrário do que a denominação CRBE indica, nós nao queremos que o CRBE seja simplesmente um conselho de brasileiros NO mundo, e sim um conselho de brasileiros PARA o mundo. Nós não queremos simplesmente ser um grupo de exilados, emigrados ou imigrantes brasileiros à procura de asilo no mundo. Nós queremos nos colocar a serviço de uma nova ordem mundial. Uma nova ordem baseada no respeito à pessoa humana e aos povos, solidariedade, convívio, compaixao, defesa dos valores societários e democráticos, defesa do ambiente ecologicamente equilibrado para todos, justiça social para todos. Uma nova ordem em que a ignorância, a dominação, a exclusão, a destruição, a violência econômica e militar e o genocídio em suas diversas formas sejam sistematicametne combatidos.
Uma nova ordem em que o poder seja exercido com sabedoria, o saber com veneração, o comércio com ética, a auto-afirmação dê lugar à vontade de sinergia. Uma ordem em que todos caibam, em que todos ganhem ou percam solidariamente. Uma nova ordem construída em colaboração e aliança entre todos os povos, base para a paz e a nossa própria existência futura.
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