quinta-feira, 23 de setembro de 2010

As eleições e a herança política

Escalada do arbítrio econômico e da violência moral e ambiental no Brasil


Por Gustavo Gazzinelli e Sergio U. Dani


O Brasil é campeão da violência no mundo. As estatísticas indicam que 150 mil brasileiros morrem anualmente vítimas de causas violentas, como homicídios (especialmente nas camadas mais jovens) e acidentes de trânsito. Morrem mais brasileiros por ano por causas violentas do que civis na guerra do Iraque. Esta não é obra exclusiva do atual governo, mas o modelo que este vem trilhando pouco incide sobre a reversão deste quadro, ao contrário, piora gravemente a situação.


Existe uma violência sistêmica em escalada na sociedade brasileira. Esse tipo de violência é altamente letal e interfere diretamente na constituição moral do nosso povo, empresas e instituições. Ela afeta não apenas as gerações atuais, mas as futuras, não apenas as pessoas, mas também o ambiente que lhes dá sustentação. Ela é uma violência hipócrita, porque é praticada a título da geração de emprego e renda, desenvolvimento e progresso.


Nos anos 70, aqueles que haviam dado o golpe civil-militar em 1964 falavam em Brasil-potência, em desenvolvimento e progresso. O corredor Carajás foi obra destes, bem como a implantação de usinas guseiras que provocaram o desmatamento do leste do Pará e oeste do Maranhão, depois cobertos por pastagens, soja e mais recentemente eucaliptais – a principal obra de devastação da Amazônia.


O Governo Lula intensifica a obra de destruição da Amazônia ao perdoar grileiros e colocar uma pá de cal sobre os povos xinguaras com a gigantesca, cara e obsoleta obra de Belo Monte. Cientistas perspicazes já mostraram que a energia de Belo Monte será cara e os prejuízos sócio-ambientais, gigantescos. Mas o governo insiste em ignorá-los, não quer ouvi-los. Em vez disso, chama as empresas que perderam o leilão da obra de construção do complexo hidrelétrico, uma a uma, para repartirem o bolo.


O BNDES financia a mineração e transposição de água por minerodutos que fazem secar as fontes de água de Minas Gerais e do Nordeste para lançá-las no oceano, no Rio de Janeiro e Espírito Santo. O BNDES é sócio da Vale do Rio Doce, que por sua vez financia campanhas eleitorais daqueles que são amigos da empresa. Roger Agnelli é companheiro do Presidente Lula da Silva.


O PT da moralidade provocou o escândalo do mensalão, e o homem tido como cabeça do esquema no Partido, José Dirceu, é um dos principais articuladores da candidatura Dilma em diferentes estados brasileiros.


O Brasil-potência é o mesmo da época da cana-de-açúcar, do ouro e do café – fornecedor de matérias primas primárias ou primariamente transformadas para um mercado internacional que vê com grande simpatia a oferta dos nossos governantes em aqui sediarmos os lixos siderúrgicos e minerários, e as papeleiras de que os mesmos estão se livrando para cuidarem da alta tecnologia, que reprocessamos ou montamos em Manaus e noutras estações de copiagem.


Em Campinas, não foram encontrados os mandantes da morte do Prefeito Toninho – que brigava contra a máfia das empresas de transporte coletivo urbano. Em Santo André, o assassinato de Celso Daniel até hoje aguarda uma solução. Vários dos envolvidos no escândalo do mensalão, inclusive em Minas Gerais, desapareceram do noticiário, como se não tivessem feito nada. Um dos principais bancos envolvidos no esquema é um dos campeões da aposentadoria consignada autorizada pelo governo federal. A principal família proprietária teve mais de um milhão de metros quadrados destombados na região da Serra do Curral, principal patrimônio da capital de Minas na zona sul (a mais valorizada) de Belo Horizonte – durante a gestão do último prefeito do
PT nesta cidade.


Lula é também companheiro de Eike Batista, e durante seu governo o IBAMA atropelou a ordem do licenciamento do Projeto Minas-Rio, que está se tornando um dos maiores escândalos ambientais do Brasil, com transposição de águas, violência contra comunidades tradicionais, milícias privadas impedindo o ir-e-vir de pessoas em logradouros e estradas de uso comum há décadas. Essa violência é também obra do governo Aécio Neves-Anastasia. E o fato é que depois dos primeiros licenciamentos federal e estadual, Eike transformou um investimento de pouco mais de 200 milhões em algo como 5 bilhões de reais – no negócio feito com a mineradora Anglo American, sem o menor investimento no projeto, a não ser acordos em palácios.


Em São João da Barra (RJ), Lula dá a maior força para o projeto portuário-siderúrgico de Açu, de Eike, que já passou parte do negócio aos chineses e parece estar prestes a tocar o resto do projeto para outrem. Este é o caminho do nosso litoral que com indústria de alumínio no Maranhão, siderurgia e termoelétricas em Pecém no Ceará, projetos similares na região de Ilhéus (BA) etc etc, cerceamento da atividade pesqueira em Sepetiba (RJ) promete dias cinzentos para o nosso futuro ex-belíssimo litoral.


Celebrado como ‘grande líder da América Latina’, Lula enviou o ministro Celso Amorim para pressionar o governo chileno a aceitar um projeto de megatermoelétrica a carvão mineral do grupo MPX, de Eike, que quer poluir o Chile e a região turística de Atacama, para dar saída ao carvão de uma jazida recém-adquirida pelo mesmo na Colômbia.


Realmente, a vida dos pobres melhorou, mas há uma violência em gestação, e o que mais assusta é virmos a ter na presidência da República uma pessoa que nunca foi testada nas urnas, que nunca assumiu um posto de comando maior, que nos últimos anos tornou-se porta-voz das obras e realizações do governo, não se submetendo à crítica e às crises naturais em um cargo majoritário. Seu único compromisso, segundo se dá a entender, é com o próprio Lula – quem sabe para depois devolver-lhe o posto. Mas será que este apoio de um presidente popular substitui a responsabilidade do cargo?


De acordo com as últimas pesquisas de intenção de voto, metade do nosso povo corre para o abraço com Dilma – como se o alto astral da propaganda eleitoral fosse o retrato da pessoa real no comando do país.


O presidente Lula veio de baixo, mas tenta entregar o governo às oligarquias regionais, às grandes corporações econômicas e à tecnocracia forjada nos gabinetes, distante da realidade do dia-a-dia, dos sentimentos populares mais genuínos, embora, até o momento, blindadas pelo carisma do atual presidente, e assim protegidas de um sentimento maior de impopularidade. Nesse sentido, constrói uma trajetória perversa e imprevisível na história política e na consolidação democrática do país.


Os escândalos, a concertação com as grandes empresas, bancos e multinacionais transformaram o governo do PT em um gerente com cara de povo, mas que enriquece ainda mais estes setores, que destroem o meio ambiente, fazendo-se de pseudo-promotores da sustentabilidade; que financiam campanhas eleitorais e dão agrados a prefeitos e até a juízes; que promovem um modo de vida excludente e consumista, que aumenta a diferença social e cultural, cultivando como valor maior a lei de Gerson, do levar vantagem, e aprofundam a violência sistêmica de uma forma alucinante no Brasil.


Vejam os grandes amigos e aliados do PT, os Collor, o PMDB de Sarney, Jader Barbalhos, Renan Calheiros e Michel Temer – que já fala em rachar os cargos de governo meio a meio. Pensem ainda se isso acontecer no primeiro turno – qual não será o salto alto e a idéia de que o mundo e o Brasil-potência começaram agora.


No plano externo, se o atual governo teve o mérito de diversificar os parceiros, fazendo acordos comerciais com países fora do eixo; no plano político, demonstrou pouca firmeza na sua convicção democrática, fazendo pouco caso do arbítrio da atual teocracia iraniana, devolvendo atletas cubanos que pediam asilo e desdenhando da greve de fome de presos de consciência de Cuba. De outra forma, se o espírito de dependência aos grandes países capitalistas é reduzido, aumentam os compromissos com a China, cuja previsibilidade é tão transparente quanto o espírito do partido único e do sistema político que reina naquele país.


O Brasil precisa de mais tempo para conhecer seus candidatos a presidente e a governadores, suas convicções e compromissos. É assim que amadureceremos e teremos a oportunidade de sabermos melhor quem são e o que representam os governantes que elegeremos.

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