quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Violência social no Brasil

A violência social no Brasil

Por Antonio Flávio Testa (*)


A crescente violência social no Brasil pode ser vista sob vários ângulos.



Mesmo com a sociedade investindo recursos próprios - adquirindo equipamentos, sistemas, alarmes, fazendo treinamento preventivo para criar mecanismos que tornem sua vida mais segura - e procurando auxiliar o Estado na prevenção e combate à criminalidade, ainda assim a criminalidade cresce.


E isso ocorre em todos os setores sociais e se reproduz em quase todos os ambientes e segmentos. Vivemos em uma sociedade que aceita, paradoxalmente, a violência, não obstante todo o investimento feito para diminuir a criminalidade. O que está por trás dessa realidade? Por que não diminui estruturalmente a violência cometida por pessoas e instituições contra pessoas?


As contradições sistêmicas aparecem quando são desmascaradas, por exemplo, quadrilhas e grupos de extermínio e, neles, participam policiais. Institucionalmente, representantes do Estado estão presentes cometendo violência, seja agindo como criminosos, seja combatendo o crime.


Os limites entre a ação legal e a ilegal são tênues e exigem, para a preservação da legalidade, uma consciência cívica e um nível de treinamento técnico e profissionalização que o Estado não consegue prover. Tampouco a articulação gerencial entre as diversas instituições públicas, sobretudo a Justiça e o arcabouço jurídico institucional, não garantem a punição exemplar para os membros do Estado que viram criminosos.


No âmbito da sociedade, a realidade não é muito diferente. O desrespeito à vida humana é crescente e se alastra por quase todos os setores sociais. Vemos, até com frequência, pais e filhos cometendo atos violentos mutuamente. A desagregação da família é marcante, sobretudo quando se verifica sua incapacidade de estabelecer limites comportamentais que promovam a pacífica convivência social.


A consequência mais visível dessa situação é o aumento exponencial da delinquência juvenil, que tem apresentado níveis sem precedentes porque se manifesta com agressividade e, geralmente, consumo de drogas.


A crise ética é grave. A carência de princípios humanitários e solidários é marcante. Categorias sociais mais desprotegidas institucionalmente, como pobres, idosos, crianças e mulheres, tornam-se muito vulneráveis em ambientes que se caracterizam pela violência social gratuita.


Crimes banais, passionais e ações criminosas organizadas de forma "empresarial" se alastram por toda a sociedade brasileira. O Estado não consegue agir de forma a gerar, pelo menos, uma sensação de segurança pública, quer seja pelo policiamento ostensivo quer seja pela punição aos "ilustres" criminosos de colarinho branco, que agem respaldados pela impunidade institucionalizada, alicerçada em legislações que foram elaboradas para manter privilégios para as elites.


A sensação de insegurança pública é crescente. E a população é obrigada, com seus impostos, a custear sistemas carcerários que não recuperam criminosos (se é que criminosos são recuperáveis) e nem fazem a segurança pública funcionar efetivamente, produzindo a paz social.


O mais impressionante é o fato de que a própria sociedade está cada vez mais consumindo drogas e aceitando, passivamente, a corrupção policial - que "alimenta" o narcotráfico com armas contrabandeadas e expropriadas do próprio Estado, isto é, adquiridas com dinheiro público.


Atualmente, algumas instituições públicas são "capturadas" pelo crime, e criminosos são legitimados por sufrágio popular, tornando-se líderes de executivos e legislativos. A população torna-se refém da ação desses criminosos e, por medo e cooptação, dão a eles seu voto e o direito de decidirem sobre seu destino.


Como pensar em mudanças em ambientes tão adoecidos moralmente? Como diminuir a violência se ela é apenas uma reificação de acordos tácitos entre grupos sociais, pessoas e instituições?


O que se vislumbra para o futuro próximo é o recrudescimento da ação violenta do Estado contra as categorias sociais mais desprotegidas, o crescimento da impunidade para os criminosos de colarinho branco, o aumento da delinquência juvenil, sobretudo pela inexistência de um projeto de futuro capaz de mobilizar a juventude e afastá-la da dependência das drogas.


A violência familiar também deve crescer, por diversos fatores, mas, entre eles, a desagregação das famílias.


A violência social no Brasil é umproblema de ordem ética e política, e somente um novo pacto institucional e pessoal poderá mudar, no longo prazo, essa realidade.

(*) Antonio Flávio Testa é pesquisador de inclusão digital e cidadania no Departamento de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Texto publicado originalmente em 11/03/2009 - JORNAL DE BRASILIA - DF.

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