Por Jens Glüsing, do Rio de Janeiro para Der Spiegel.
(Tradução por Sergio U. Dani, de Tübingen)
As fotos mostram três
momentos do protesto: Dilma Rousseff é vaiada por dezenas de milhares de
pessoas reunidas no estádio Mané Garricha, em Brasília, durante a abertura da
Copa das Confederações, da FIFA; manifestante enfrenta a polícia militar em
Brasília; manifestante carrega a bandeira Brasileira no Rio de Janeiro. Fonte: Der
Spiegel (fotos: Getty Images, Reuters, AFP).
Foi, apesar de alguns manifestantes violentos, uma celebração da
democracia. A estudante de Medicina Tatiana Mendes, 24, e seu namorado Jurival
Alves, 25, foram pela primeira vez em uma manifestação, como a maioria das
cerca de cem mil pessoas, na sua maioria jovens que se reuniram em frente à
histórica Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. "Nós não
somos contra a Copa do Mundo", disse ela. "Mas deve haver um fim à
corrupção, desperdício de dinheiro, o corporativismo no Congresso. O governo
nos dá pão e circo, mas queremos melhores escolas e melhores hospitais."
Eles usavam camisetas brancas listradas, muitos agitavam a bandeira
brasileira, alguns traziam rosas brancas ou margaridas na mão, alguns dos
rostos foram pintados com um "V" – de Vitória, mas especialmente de Vinagre.
Desde a batalha campal com a polícia nas ruas do Rio e São Paulo, o vinagre está
valendo como uma receita caseira de efeito comprovado contra o gás
lacrimogênio, muitos traziam algumas garrafas na mochila. Eles temiam que a
polícia iria agir de forma tão violenta quanto em frente ao Estádio do
Maracanã, na semana passada, quando espectadores com seus filhos escaparam em
pânico das balas de borracha e vapores de gás lacrimogêneo disparados pela
polícia.
Mas, desta vez, a polícia se conteve – até demais, como disseram muitos
dos manifestantes: algumas centenas de manifestantes invadiram o histórico
"Palácio Tiradentes", a sede do Legislativo Estadual do Rio, devastaram
a entrada, atiraram coquetéis Molotov e incendiaram um carro. Cerca de 20
policiais que se puseram em barricada no edifício ficaram feridos, várias
agências bancárias da vizinhança foram quebradas. Diante do Antigo Palácio do Paço
Imperial, alguns polciais sitiados dispararam munição pesada. Na maioria dos
casos, eles dispararam para o ar, mas um manifestante foi ferido por uma bala
perdida.
A polícia brasileira não está preparada para o ataque de manifestantes.
Ela está sujeita aos governadores dos Estados e é organizada no estilo militar –
nos quartéis ainda domina a mentalidade da ditadura. Especialmente as polícias
de São Paulo, Minas Gerais e Rio são notórias por sua violência. Após os
protestos da semana passada, o governador do Rio, Sérgio Cabral aparentemente ordenou
um comportamento defensivo. A força de intervenção especial libertou seus
colegas sitiados só depois de quatro horas do cerco dos manifestantes.
A última vez que tantas pessoas saíram
para as ruas foi há 20 anos
Quando a manifestação havia realmente terminado e a maioria já voltava para
casa, a violência explodiu. Agora eram os políticos que lançavam seus olhares perplexos
sobre os escombros. Uma e outra vez tinha havido manifestações de insatisfação
por causa do alto custo da Copa do Mundo, mas com tamanha revolta popular
ninguém contava.
A última vez que tantas pessoas saíram para as ruas
foi há 20 anos, naquela época os jovens manifestantes ajudaram a conduzir o
corrupto presidente Fernando Collor de Mello para fora do cargo. "Nossos
pais lutaram contra a ditadura", disse o estudante de psicologia Ramah
Delduck, 22. "Mas, então, eles perceberam que os corruptos abusam da
democracia. Nós somos a sétima maior economia do mundo, mas as nossas instituições
públicas são deploráveis. O Estado nos obriga a pagar impostos, mas ele não devolve
serviços à altura."
É uma revolta dos filhos da classe média que balançou o Brasil nas suas
fundações. No Rio, mais de 90 por cento dos manifestantes eram estudantes e
alunos, muitos vindos de escolas e universidades particulares. "Nossos
pais não podem mais pagar as mensalidades escolares, queremos finalmente ter um
sistema de educação pública decente", diz a estudante de biologia Vivian
Lara. Muitos se manifestavam também contra o voto obrigatório: "Isso
incentiva a compra de votos e a corrupção."
Os manifestantes não estão ligados a
qualquer ideologia
O protesto do jovem brasileiro não é dirigido diretamente contra a
presidente Dilma Rousseff, ele expressa um mal-estar geral sobre a classe
política. "Eu escolhi a Dilma, mas estou decepcionado", disse a
estudante Lara. "Uma vez no poder, todos os políticos se comportam da
mesma maneira." A maioria dos manifestantes não ataca diretamente Lula, o
antecessor de Dilma, mas alguns criticam seus programas sociais: "Isso
ajuda, mas apenas temporariamente. Os pobres precisam de uma educação melhor."
Alguns manifestantes falam contra as cotas para negros e índios nas
Universidades de: "Este é um tipo diferente de racismo", diz o
estudante de Medicina Jurival Alves. Antigamente, era comum de se ver camisetas
de Che Guevara e bandeiras vermelhas em manifestações no Brasil. Mas isso
acabou: a cor dos manifestantes agora é o branco, eles não estão ligados a
qualquer tipo de ideologia.
Seus objetivos são difusos. É possível que seu levante se esvaia em
poucas semanas - como os "caras pintadas" que outrora protestaram contra
Collor. As pesquisas de opinião mostram que a presidente Dilma Rousseff ainda
está na frente das pesquisas sobre a eleição presidencial do próximo ano, apesar
da queda maciça na sua popularidade. Nenhum dos partidos tradicionais se
beneficiam do movimento. "Os políticos são todos iguais", ouve-se repetidamente.
Entretanto, uma coisa é diferente de 20 anos atrás. Os jovens têm uma
arma poderosa que não existia na época: os telefones celulares com acesso à
Internet. "Dilma, nós viemos do Facebook", escreveu uma manifestante em
sua camisa. Todas as manifestações foram organizadas por meio de redes sociais,
alguns manifestantes pareciam conectados com manifestantes na Turquia. "O
gigante despertou", dizia um cartaz. "Enquanto você está sentado na
frente da TV, nós mudamos o país".
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