quarta-feira, 19 de junho de 2013

Protestos em massa no Brasil: As crianças tuteladas dizem basta

Por Jens Glüsing, do Rio de Janeiro para Der Spiegel.
(Tradução por Sergio U. Dani, de Tübingen)



As fotos mostram três momentos do protesto: Dilma Rousseff é vaiada por dezenas de milhares de pessoas reunidas no estádio Mané Garricha, em Brasília, durante a abertura da Copa das Confederações, da FIFA; manifestante enfrenta a polícia militar em Brasília; manifestante carrega a bandeira Brasileira no Rio de Janeiro. Fonte: Der Spiegel (fotos: Getty Images, Reuters, AFP).





Foi, apesar de alguns manifestantes violentos, uma celebração da democracia. A estudante de Medicina Tatiana Mendes, 24, e seu namorado Jurival Alves, 25, foram pela primeira vez em uma manifestação, como a maioria das cerca de cem mil pessoas, na sua maioria jovens que se reuniram em frente à histórica Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. "Nós não somos contra a Copa do Mundo", disse ela. "Mas deve haver um fim à corrupção, desperdício de dinheiro, o corporativismo no Congresso. O governo nos dá pão e circo, mas queremos melhores escolas e melhores hospitais."

Eles usavam camisetas brancas listradas, muitos agitavam a bandeira brasileira, alguns traziam rosas brancas ou margaridas na mão, alguns dos rostos foram pintados com um "V" – de Vitória, mas especialmente de Vinagre. Desde a batalha campal com a polícia nas ruas do Rio e São Paulo, o vinagre está valendo como uma receita caseira de efeito comprovado contra o gás lacrimogênio, muitos traziam algumas garrafas na mochila. Eles temiam que a polícia iria agir de forma tão violenta quanto em frente ao Estádio do Maracanã, na semana passada, quando espectadores com seus filhos escaparam em pânico das balas de borracha e vapores de gás lacrimogêneo disparados pela polícia.

Mas, desta vez, a polícia se conteve – até demais, como disseram muitos dos manifestantes: algumas centenas de manifestantes invadiram o histórico "Palácio Tiradentes", a sede do Legislativo Estadual do Rio, devastaram a entrada, atiraram coquetéis Molotov e incendiaram um carro. Cerca de 20 policiais que se puseram em barricada no edifício ficaram feridos, várias agências bancárias da vizinhança foram quebradas. Diante do Antigo Palácio do Paço Imperial, alguns polciais sitiados dispararam munição pesada. Na maioria dos casos, eles dispararam para o ar, mas um manifestante foi ferido por uma bala perdida.

A polícia brasileira não está preparada para o ataque de manifestantes. Ela está sujeita aos governadores dos Estados e é organizada no estilo militar – nos quartéis ainda domina a mentalidade da ditadura. Especialmente as polícias de São Paulo, Minas Gerais e Rio são notórias por sua violência. Após os protestos da semana passada, o governador do Rio, Sérgio Cabral aparentemente ordenou um comportamento defensivo. A força de intervenção especial libertou seus colegas sitiados só depois de quatro horas do cerco dos manifestantes.

A última vez que tantas pessoas saíram para as ruas foi há 20 anos

Quando a manifestação havia realmente terminado e a maioria já voltava para casa, a violência explodiu. Agora eram os políticos que lançavam seus olhares perplexos sobre os escombros. Uma e outra vez tinha havido manifestações de insatisfação por causa do alto custo da Copa do Mundo, mas com tamanha revolta popular ninguém contava.

A última vez que tantas pessoas saíram para as ruas foi há 20 anos, naquela época os jovens manifestantes ajudaram a conduzir o corrupto presidente Fernando Collor de Mello para fora do cargo. "Nossos pais lutaram contra a ditadura", disse o estudante de psicologia Ramah Delduck, 22. "Mas, então, eles perceberam que os corruptos abusam da democracia. Nós somos a sétima maior economia do mundo, mas as nossas instituições públicas são deploráveis. O Estado nos obriga a pagar impostos, mas ele não devolve serviços à altura."

É uma revolta dos filhos da classe média que balançou o Brasil nas suas fundações. No Rio, mais de 90 por cento dos manifestantes eram estudantes e alunos, muitos vindos de escolas e universidades particulares. "Nossos pais não podem mais pagar as mensalidades escolares, queremos finalmente ter um sistema de educação pública decente", diz a estudante de biologia Vivian Lara. Muitos se manifestavam também contra o voto obrigatório: "Isso incentiva a compra de votos e a corrupção."

Os manifestantes não estão ligados a qualquer ideologia

O protesto do jovem brasileiro não é dirigido diretamente contra a presidente Dilma Rousseff, ele expressa um mal-estar geral sobre a classe política. "Eu escolhi a Dilma, mas estou decepcionado", disse a estudante Lara. "Uma vez no poder, todos os políticos se comportam da mesma maneira." A maioria dos manifestantes não ataca diretamente Lula, o antecessor de Dilma, mas alguns criticam seus programas sociais: "Isso ajuda, mas apenas temporariamente. Os pobres precisam de uma educação melhor."

Alguns manifestantes falam contra as cotas para negros e índios nas Universidades de: "Este é um tipo diferente de racismo", diz o estudante de Medicina Jurival Alves. Antigamente, era comum de se ver camisetas de Che Guevara e bandeiras vermelhas em manifestações no Brasil. Mas isso acabou: a cor dos manifestantes agora é o branco, eles não estão ligados a qualquer tipo de ideologia.

Seus objetivos são difusos. É possível que seu levante se esvaia em poucas semanas - como os "caras pintadas" que outrora protestaram contra Collor. As pesquisas de opinião mostram que a presidente Dilma Rousseff ainda está na frente das pesquisas sobre a eleição presidencial do próximo ano, apesar da queda maciça na sua popularidade. Nenhum dos partidos tradicionais se beneficiam do movimento. "Os políticos são todos iguais", ouve-se repetidamente.


Entretanto, uma coisa é diferente de 20 anos atrás. Os jovens têm uma arma poderosa que não existia na época: os telefones celulares com acesso à Internet. "Dilma, nós viemos do Facebook", escreveu uma manifestante em sua camisa. Todas as manifestações foram organizadas por meio de redes sociais, alguns manifestantes pareciam conectados com manifestantes na Turquia. "O gigante despertou", dizia um cartaz. "Enquanto você está sentado na frente da TV, nós mudamos o país".

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