quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

J’ACUSE !!! (Eu acuso!)

J’ACUSE !!!
(Eu acuso !)


(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)


« Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.
(Émile Zola)
Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...)
(Émile Zola)


Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!).


A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.


O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares.


Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática.

No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...


E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”


Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – cliente...


Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”.


Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.


Ao assassino, corretamente, deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:


EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;


EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;


EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;


EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;


EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;


EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;


EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;


EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;


EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;


EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;


EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,


EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;


EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.


EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;


EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;


Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.


Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”.


A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”


Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.


Igor Pantuzza Wildmann


Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.

2 comentários:

  1. Sentimos o impacto da irresponsabilidade, da vaidade, da corrupção, do medo e tantos outros fatores no peito dentro da sala de aula.
    Quantos mais morrerão, ou serão diagnosticados como loucos, ou ficarão deficientes nas salas de aula, ou ficarão readaptados e encostados nas secretarias das escolas,ou tomarão remédios para entrarem nas salas de aula, ou ficarão de licença por sídrome de pânico? Uma sociedade que hoje tem medo de "crianças", dos "processos",dos "pais", dos "direitos".
    Somos defensores de câmeras nas salas de aula para resguadar a vida dos professores, a vida de crianças que sofrem agressões de outras "crianças".Só assim será possível o mundo ver o que passa um professor dentro de uma sala de aula.É humilhante!!!!
    Pena que muitos tem vergonha de assumir que a situação está sem controle e insistem em dizer:"São pequenas crianças que sofrem em casa, coitadinhas","São tão boazinhas","Não quero me comprometer","Tenho medo de ameaças","Tenho medo de ser punido por tomar alguma atitude","Ah! o ECA diz...","Diga ao professor que ele tem resolver","O aluno não pode ficar fora da sala mesmo agredindo o professor","O aluno sempre está protegido pela lei","É melhor você tirar uma licença para não se prejudicar","O aluno diz(aqui nois manda)","O professor surtou","O adulto não pode reagir quando apanha de várias crianças, pois são crianças, se ele se defender, vai preso"."Se você prometer que não vai mais bater no professor você vai ganhar um passeio"," o professor é culpado até que prove o contrário"," o professor não pode perder a linha", o professor tem que apanhar e tentar entender o motivo que a criança teve para fazer tal coisa","ah não se engane , professor não gosta de sala de aula(essa é muito bizarra)","se você questiona a violência na escola está ofendendo os gestores, e por consequência será punido","uma professora de primeiro ano do ensino fundamental não pode retribuir a frase mais comum(prof eu te amo) pois seus pais podem abrir um processo contra a resposta da professora que no lugar de dizer também te amo responde apenas muito obrigada para não se comprometer", "Mas não é só aqui que tem problema, na escola do lado , no país do lado também é assim"," meu amigo foi agredido e eu fiquei bem quietinho, pois a gestão pode perceber que estou solidário e posso ser punido"
    Onde vamos chegar?Que sociedade é essa?

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  2. GENTILEZA ENCAMINHAR PARA SEUS CONTATOS

    Família de professor assassinado por aluno lança site para debater segurança nas escolas

    A família do professor Kássio Vinícius Castro Gomes, assassinado em dezembro de 2010, dentro da Universidade Metodista Izabela Hendrix, em Belo Horizonte, MG, lançou um site para debater a questão da violência nas instituições de ensino de todo o país, além disso, a página também é um espaço de homenagem ao professor.
    Após a morte de Kássio, a família recebeu inúmeras manifestações de solidariedade e de indignação com relação à violência que hoje atinge as escolas públicas e privadas do Brasil. Com a criação do site, a ideia é ampliar o debate e somar forças com outros sites e blogs para gerar mudanças positivas. O site é um espaço aberto, onde todos podem participar das discussões na seção Fórum, enviar artigos, vídeos e dividir experiências que possam contribuir para construção da cultura de paz nas escolas.
    Visite o site www.professorkassiovinicius.com

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