Por Sergio U. Dani, de Heidelberg, Alemanha, em 12/12/12.
Resumo: O ‘banco de áreas verdes’ conforme idealizado no Brasil é um negócio de ‘greenwashing’ cujas práticas desvirtuam a natureza e o sentido da preservação e conservação ambiental in situ, criam desequilíbrios e instabilidades ecológicas e sócio-ambientais e afetam a saúde e o bem-estar geral. Uma alternativa ao ‘banco de áreas verdes’ seria a ‘bolsa de valores verdes’ onde os ativos sócio-ambientais como ‘água limpa’, ‘biodiversidade’, ‘habitat natural’, ‘equilíbrio ecológico’, ‘saúde ambiental’ e ‘índice de desenvolvimento humano’ passassem a fazer parte do patrimônio das empresas.
No sistema capitalista, existem dois ambientes especializados na reprodução do capital. Um é a bolsa de valores. O outro é o banco. Na primeira, ninguém deve nada a ninguém se o negócio não funciona, porque o risco e a especulação são inerentes às operações da bolsa. No segundo não existe essa de ‘não funcionar’; quem toma empréstimo deve pagar de volta com juros e correção monetária.
Até onde se entende facilmente, um ‘banco de áreas verdes’ é um ambiente virtual onde um ‘proprietário de área verde’, de um lado, e um ‘proprietário de área cinza’, do outro lado trocam ‘verdinhas’. Quem tem ‘verde sobrando’ pode vender verde como bem ou como direito para quem tem ‘verde faltando’, e um dos dois ou os dois devem pagar uma taxa de intermediação ao banco.
A idéia do negócio é dar um ‘sinal verde’ para os cinzentos, uma espécie de indulgência plenária pelos pecados cinzentos cometidos.
Mas, pode um jaguar mudar de pintas? Pode um cinzento ‘deficiente de área verde’ mudar sua pele cinzenta para uma pele pintada de verde? A ciência informa que tal metamorfose não é possível, mas a fé insiste que sim. Afinal, se a venda de indulgências plenárias foi um bom negócio para a Igreja Católica na Idade Média, por que não haveria de funcionar também na ‘Idade das Verdinhas’?
Como ninguém consegue mudar de pele sem se esfolar, o cinzento vai comprar uma ‘pinta verde’, ou uma 'fantasia de verde' num ‘banco de áreas verdes’. No carnaval, vale tudo. Para uma determinada área de pele cinza, o cinzento vai precisar de tantos % de ‘pinta verde’ depositados na sua conta no banco de áreas verdes.
Essa técnica sofisticada da mudança de pele é uma modalidade de ‘greenwashing’ (‘lavagem verde’, em inglês) que funciona assim. Fulano destruiu o que era verde sobre o chão em que pisou. Aí veio uma lei dizendo que ele pode vestir uma pele verde e continuar lucrando em paz do ‘lado cinza da força’ (refiro-me à ‘força do mercado’). A tal lei ou licença garante ao cinzento que ele pode desmatar, degradar e destruir o que seja verde, desde que tenha pelo menos uma ‘pinta verde’ sobre sua pele cinza, uma ‘pinta verde’ na sua conta bancária de áreas verdes, em outras palavras, que ele seja um 'cinzento boa-pinta’.
Teoricamente, a ‘pinta verde’ sobre a pele cinza do ‘boa-pinta’ deve ter um ‘lastro’, mas na prática a situação pode ser bem diferente. Assim como apenas uma pequena fração do dinheiro depositado nos bancos do mundo tem lastro, nada garante que as ‘pintas verdes’ terão lastro. Mas isso não terá a mínima importância para o cinzento. Para ele, o importante mesmo é cumprir a tal da lei e evitar aborrecimentos. A falta de lastro passa a ser um problema interno do banco e do governo que eventualmente socorre o banco em caso de má-gestão, assim pensará o cinzento ao encostar sua cabeça no travesseiro para dormir tranquilo.
- Quanto custa um hectare de ‘pinta verde’ lá no ‘banco verde?’ – perguntará o cinzento a si mesmo, pronto a assinar o cheque, ou sonhará o proprietário de áreas verdes sedento pelas 'verdinhas'.
Pela lógica elementar e primária, o valor de uma ‘pinta verde’ não pode custar mais do que o lucro que o cinzento aufere com a destruição das suas próprias áreas verdes, ou o valor da multa que deve ser paga pela destruição do verde, ou o valor do suborno pago ao fiscal, o que for menor. Mas, como o mundo financeiro é ilógico, devem prevalecer o ‘feeling’ dos ‘experts’, a especulação e suas ‘bolhas’.
No complexo jogo do mercado, o valor da ‘pinta verde’ tanto poderá ser definido pelo lucro que o cinzento obteria com a destruição das suas áreas verdes, o valor da multa que o cinzento pagaria pela destruição das áreas verdes ou o valor do suborno pago para se livrar das multas, quanto pelo grau de especulação financeira com as ‘verdinhas sem lastro’.
Em terras muito produtivas como as terras basálticas do Estado de São Paulo, o valor da ‘pinta verde’ seria infinitamente inferior ao lucro que se poderia obter com a destruição do verde para dar lugar às culturas mais lucrativas. Como o valor das multas por desmate ou o valor dos subornos são comparativamente ridículos, assim também seria o valor da ‘pinta verde’. Em terras pouco produtivas, improdutivas ou degradadas, o lucro com a sua exploração e consequentemente o valor da ‘pinta verde’ seriam iguais a zero. Isso tudo num cenário lógico.
No cenário ilógico da especulação, qualquer previsão é válida. A ‘pinta verde’ poderá ser negociada ‘a preço de banana’ ou a ‘preço de ouro’. A situação foge de qualquer lógica ou controle. Área degradada poderá ser lançada no ‘banco de áreas verdes’ com ‘pinta de verde’. Na pior das hipóteses, as ‘verdinhas’ circularão sem lastro algum.
O mercado tem mecanismos reguladores, mas também tem uma dinâmica própria. Se uma ‘pinta verde’ fosse negociada por um preço muito maior que ‘preço de banana’, o cinzento preferiria conservar uma parte da sua área verde in situ, ou recuperar uma parte da sua área cinza, a jogar dinheiro fora comprando ‘pintas verdes’, está claro? Ou será que está ‘cinzento’?
Por outro lado, se o preço da ‘pinta verde’ for muito baixo, quem vai pagar o banco pelo seu serviço de pintura verde em cara-de-pau?
Os banqueiros costumam encontrar soluções criativas para problemas dessa natureza. Uma delas é a especulação. Outra é fazer o contribuinte pagar compulsoriamente e sem saber, através de créditos de socorro concedidos aos bancos pelos (des)governos. Numa terceira solução, os bancos tomariam as terras do ‘propri(o)tário verde’ para garantir o pagamento dos seus serviços e taxas verdes, amadurecidos (i.e., inflacionados) pela capitalização (i.e., especulação). Agindo assim, os bancos de verdinhas criarão lastro para baixar o balão da especulação e fazer novos negócios, reproduzindo o seu ‘capital verde’.
Numa outra vertente, o cinzento recorre ao ‘banco verde’ simplesmente para comprar uma área (ainda) verde, como um investimento, ou para aumentar seu patrimônio. O ‘banco verde’ pode participar da operação como vendedor ou apenas como intermediário, uma espécie de ‘corretor de verdinhas’. O preço do ‘hectare verde’ será regulado pelos mecanismos lógicos e ilógicos. Se o comprador for o governo, o preço tenderá para cima, pois o contribuinte geralmente não se sente lesado quando o governo malversa seu dinheiro. Se o comprador for um particular, o preço tenderá para baixo, pois quem se preza costuma pechinchar para desfilar de ‘boa-pinta’ no carnaval das verdinhas.
Como banco nenhum perde tempo ou dinheiro negociando coisa barata, vai puxar os preços e as comissões para o alto nessas ‘operações de grande interesse ambiental’. Resultado: áreas verdes compradas a ‘preço de banana’ e revendidas a ‘preço de ouro’ e comissões de ‘deixar qualquer árvore pelada’.
Na economia de escala, é possível que um tipo de proprietário de áreas verdes – o especulador latifundiário – possa lucrar com esse tipo de negócio. Agora imagine só: como o maior proprietário de áreas verdes hoje é o (des)governo, adivinha quem venderia terras a preço de banana? quem compraria? quem lucraria com a revenda? quem perderia?
No final das contas, o ‘banco de áreas verdes’ conforme idealizado no Brasil é um erro porque desconsidera a necessidade da conservação in situ. Todo país desenvolvido de gente civilizada tem regras e leis que garantem a preservação e a conservação ambiental in situ das vegetações nativas em determinadas frações de toda e qualquer propriedade rural. Essas regras e leis existem para garantir um ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum da coletividade, necessário à saúde e o bem-estar geral.
Uma alternativa ao ‘banco de áreas verdes’ seria a ‘bolsa de valores verdes’ onde os ativos sócio-ambientais como ‘água limpa’, ‘biodiversidade’, ‘habitat natural’, ‘equilíbrio ecológico’, ‘saúde ambiental’ e ‘índice de desenvolvimento humano’ passassem a fazer parte do patrimônio das empresas.
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